“Educação midiática”

dezembro 6, 2018

Em meio à agonia coletiva de ver como o fenômeno das fake news tem arrastado dezenas de milhões de conterrâneos para visões estapafúrdias e sem sentido da realidade, em detrimento do debate feito de forma séria, embasada e racional, alguns especialistas, jornalistas em sua maioria, têm vendido como possível solução um velho antídoto que também era recomendado quando da época em que nossos problemas se resumiam às manipulações da imprensa burguesa: a famosa “educação midiática”.

Com ela, as pessoas, subitamente, passariam a distinguir com clareza o fato da versão, ou melhor, a informação objetiva da propaganda sem pé nem cabeça.

A proposta, ninguém poderia contestar, é extremamente bela em suas intenções, ainda que totalmente inútil. Ela parte de um pressuposto de que é possível vacinar as pessoas contra a desinformação por meio de algum esforço pensado para esse fim (aulas obrigatórias em escolas? cursos online? Sites de fact-checking?).

Infelizmente, como sói, a realidade acaba sendo mais cruel que os nossos desejos. No limite, essa linha de pensamento acredita ser possível acabar com o efeito da propaganda na sociedade, essa mesma propaganda que é usada não só para manipular eleições como para incutir desejos de consumo. Ainda que isso seja possível de ser feito com poucos indivíduos, crer na massificação do pensamento crítico que nos blinde contra a propaganda, convenhamos, não passa de pura utopia.

A bem da verdade só há um único caminho para enfrentar a questão das fake news e ele atende pelo nome de “regulação pelo Estado”. Mais do que nunca, é preciso definir parâmetros rígidos para o funcionamento redes sociais por onde essas notícias falsas circulam, prevendo, inclusive, a instalação de uma comissão formada por representantes da sociedade que disponha da prerrogativa de remover conteúdo falso da rede logo no início do processo de viralização, evitando assim que o estrago seja causado na sociedade.

Como se pode ver, trata-se de uma proposta muito mais complexa de ser posta em prática e com um potencial de conflito infinitamente maior que a virtuosa “educação midiática”. No entanto, caso queiramos, pra valer, enfrentar o problema das fake news, trata-se da única proposta factível, goste-se dela ou não.

Carta aberta ao elenco tricolor

dezembro 1, 2009

É, moçada, não deu. Pela primeira vez em 5 anos, nossa sala de trófeus não vai ficar menor. Fato que é um tanto difícil de aceitar, convenhamos, ainda mais depois do curso que o campeonato tomou ao nosso favor, quando tudo já parecia perdido. Trilhamos a maior parte do percurso sempre no vácuo dos líderes, tropeçando quando não podíamos, deixando de somar pontos dados como ganhos. Mas, mesmo assim, o destino nos colocou na primeira posição a poucas rodadas do fim. Era a História se repetindo, tal qual a campanha do ano passado. Fizemos até camiseta comemorativa antes da hora. Revivemos um personagem de filme de terror, vestimos máscaras, fomos ao estádio, anunciamos em alto e bom som que o campeão havia retornado. Mas, no fim, não retornou. Tudo não passou de uma doce e passageira ilusão.

Rogério, meu caro Rogério, defensor de nossa meta há mais de 12 anos. Sei que tu é um psdbista de coração, o que é um defeito do tamanho de tuas entradas, mas por todas tuas bolas espalmadas, especialmente aquela do Gerrard, me obrigo a ser  grato a ti. Cheguei a gastar quase 200 reais da minha mãe pra comprar uma camisa tua, mas que já deixei de usar faz muito, desde aquela tua declaração de que votaria no Alckimin porque achava que “era hora de mudança”. É, capitão, daí não deu mais, o posto de ídolo voltou a ser só do Raí. Teu campeonato foi bom, não comprometeu, atuou bem em partidas importantes, a única coisa que precisava definitivamente melhorar é o teu jeito de sair do gol pra encarar um atacante no mano-a-mano. Mas à essa altura do campeonato, imagino que você já não tenha mais ouvidos para essa crítica…

Renato Silva, juro que gostei de você no começo. Apesar de aparentemente limitado, achei que daria liga no bem sucedida zaga que o São Paulo tem ostentado em tempos recentes. Mas foi só uma mera impressão. Suas últimas partidas, justamente quando o time mais precisava, foram horríveis. Seu destino, infelizmente, deverá ser novamente o Botafogo,  pra jogar ao lado do Juninho, outro que não deixou saudades.

Rodrigo, você viveu machucado esse ano. Acho que mal dá pra fazer uma avaliação mais embasada de teu desempenho. A única coisa que sei é que você é melhor que o cara de quem acabei de falar aí em cima. As férias vão chegar agora, você pega, descansa, se prepara bem na pré-temporada, e logo no paulista, você reassume a a titularidade de vez. Combinado?

Miranda e André Dias, você são bons, mas são ruins também, às vezes. Nesse par de anos que têm jogado juntos, sempre demonstraram muita segurança e estabilidade, preservando o status de boa defesa que sustentamos desde 2004, quando Lugano e Fabão iniciaram uma nova era. Não é à toa que vocês chegaram a ser convocados pelo Dunga, sendo que você, Miranda, corre sério risco de ir à Copa. Não sei o que lhes passa, porém, em alguns lances. Cansei de vê-los tentando, de forma precipitada, roubar a bola do atacante pra em seguida tomar um drible óbvio. Cansei de ver entradas violentas totalmente desnecessárias, que rendiam cartões amarelos e, em alguns acasos, vermelhos (principalmente você, André Dias). Cansei de vê-los abrirem mão de acompanhar um atacante, que posteriomente estava concluindo livremente para as redes (aquele gol do Paulo Bayer na Arena da Baixada…). O que acontece nesses momentos? É o cansaço que impede a razão? É a preguiça de controlar os instintos?

Junior César, houve um momento em que achei que você seria um novo Jadílson – aquele lateral esquerdo contratado do Goiás como super ofensivo, mas que quando vestiu o manto tricolor não virou em nada. Mas não, você não o foi. Tampouco honrou as grandes expectativas criadas em cima da sua pessoa, pelo menos as que eu criei. Você até que tem uma certa noção de apoio, mas, assim como boa parte do elenco,  sofre muito com momentos de cabeça de bagre. É um drible fácil do atacante lá atrás, é o cruzamento torto na linha de fundo, é o passe/corte/chute errado na hora agá. Basta só ter um pouco mais de atenção, acredite, não é tão difícil. Tente assistir mais aos jogos do Barcelona, com o tempo você pega o espírito. Como não vejo muita oferta de laterais esquerdos por aí, voto pela sua permanência.

Arouca, eu gosto de você. Digo, como jogador de São Paulo. Acho que o seu lugar é mesmo atuando de volante. Jogar na ala-direita, só em caso de suspensão/contusão do próximo ala-direita que contrataremos ano que vem, se deus e Juvenal quiserem. Continue demonstrando a raça de sempre.

Jean, eu também gosto de você, apesar de cagar no pau de vez em quando. És um volante ainda jovem, porém talentoso, que gosta de dar suas investidas no ataque, fato raro entre os volantes por aí. Só, por favor, APRENDA a chutar que nem gente. Tire 20 minutos todos os dias após o coletivo pra ficar treinando arremates, de preferência com a bola em movimento. Você fez alguns golzinhos neste campeonato,  é verdade, mas também perdeu outros que não poderia perder. Lembra do lance que você chutou que nem uma velha contra o Corinthians? Pois é, tenho que confessar que xinguei sua mãe ali. Portanto, vá treinar finalizações! Agora!

Zé Luís. Você é um quebra-galho da defesa, nada mais que isso. Por mim, pode ficar, desde que seja na reserva e que seu salário não ultrapasse 20 mil reais. Ok, 30 mil está de bom tamanho.

Richarlysson. Ou seria Richarlisson? Ou Rycharlison? Ah, dane-se, vou te chamar igual o Muricy, de Ricky.  Ricky, meu caro Ricky, o que dizer sobre você? Quase que só coisas ruins, infelizmente. Ao lado do Rogério, acho que você é o único tri-campeão brasileiro no elenco, né? Bem, isso só confirma a tese de que o futebol está cheio de pernas de pau sortudos. Porque, se não houvesse o elemento sorte, você jamais chegaria ao Morumbi. Você é jogador pra um Rio Claro Futebol Clube e olhe lá. Acontece que em 2005, quando ainda portava aquelas trancinhas de Oséas paraguaio, fizestes um par de boas partidas pelo Santo André, que à época jogava a Libertadores. Logo, São Paulo e Palmeiras estavam se estapeando pelo seu passe, e você, por um detalhe, acabou parando do lado de cá do muro. Lembro-me muito bem que sua posição pela qual fora contratado era a de meia-atacante. Mas, obviamente, tua mediocridade te impediu de atuar nessa faixa nobre do campo, e hoje você faz às vezes de zagueiro, volante, lateral-esquerdo e sei lá mais o que. Devíamos ter te vendido pra Ucrânia, Rússia, Uzbequistão, ou algum outro desses mercados europeus paralelos, quando o Dunga fez o teatro de te convocar.  Seu passe se valorizou ali e perdemos a oportunidade. Como pode ver, sequer detalhei seu desempenho dentro de campo, porque isso seria como, sei lá, descrever um livro do Paulo do Coelho: todo mundo já sabe que é uma merda. A única fase pela qual você viveu momentos de inspiração foi durante a pseudo-arrancada de 7 vitórias seguidas que demos nesse campeonato. Mas aí você se contundiu, ficou três semanas fora, e, quando voltou, lá estava o ruim e velho Ricky de sempre. Acho que a coisa mais positiva de sua passagem pelo São Paulo até agora foi ter revelado o monte de babacas homofóbicos que te rechaçam por causa da tua sexualidade. Só isso. Com sorte, você estará no Kashima Antlers no ano que vem.

Jorge Vágner, sempre te achei um jogador nota 7. Nas vezes que você joga bem, guarda uma cobrança de falta, dá um cruzamento pro gol, é nota 8 ou até 9. Nas vezes que você joga mal, some do jogo, bate escanteios diretamente pra arquibancada, nota 6, 5. Acho que você nunca deve ter tirado nota 7 em uma única partida . Só o é apenas na média ponderada. Mesmo assim, seu futebol está ficando velho. Já não é mais tão confiável como noutros tempos. O São Paulo urge por um novo meia-esquerda, creio eu.

Hernanes, o craque do time. Sinceramente, sabe o que eu acho? Que você será uma eterna promessa. Não me entenda mal, você é um grande jogador, diferenciado da maioria dos que povoam esta terra de Vera Cruz. Mas quem vê uma partida sua, batendo na bola com igual qualidade tanto com a esquerda quanto com a direita, qual um ambidestro puro sangue, pensa: “Porra, taí o novo Zidane!”.  Só que você nunca explode. Jamais pudemos confiar em você como alguém que pudesse desequilibrar uma partida, à exemplo de Messi no Barcelona ou de Cristiano Ronaldo no Manchester United. Tá, pra não viajar tanto e ficar com um modelo nacional, você nunca foi como um Alex nos tempos de Cruzeiro. E era isso que sempre esperavámos de você esses anos todos. Espero que em 2010 seja diferente (mas daí você vai pra Europa mesmo).

Hugo, você já disse que não vai ficar, que quer ir pra Europa. Bom, boa sorte pro seu empresário. Avisa ele que na Eslovênia faz muito frio, que é bom ele levar casacos quentes na hora de se encontrar com os dirigentes do clube interessado no teu futebol. Tenho que admitir, na reta final do campeonato do passado, você jogou deveras bem. Foi decisivo, conseguiu atingir o ápice da sua capacidade de jogador. Mas acho que você  nesse ano, assim como o Borges, não soube lidar com a reserva. Descontando a partida contra o Náutico e Sport, todas as outras (que eu assisti) você foi apático. Parecia que estava com o botão do foda-se ligado. Uma pena, pois seu contrato não será renovado e sua carreira a partir de agora entrará em decadência. Bye bye.

Marlos. Vou poupar palavras que já estou cansado: adeus.

Agora, Washington, Borges e Dagoberto. Num último esforço nessa noite que já avança madrugada adentro, vou falar um pouco sobre o trio de atacantes tricolor. A começar pela capital dos Estados Unidos (ha-ha-ha). Caro Coração Valente, durante esse ano, você sempre demonstrou muita garra e vontade, não há dúvidas. Mas o fato é que aquele fatídico gol aos 47 e 50 do segundo tempo, que nos eliminou da Libertadores do ano passado, quando você ainda jogava pelo Fluminense, nunca me permitiu vibrar com sua performance com a camisa tricolor.  E acho que esse também é o sentimento do resto da torcida. Ademais, mesmo com todos os gols que fez nesse ano (mais de 20 né?), você ainda não é o nosso atacante ideal. Você é tipo um Danilo, que tinha suas partidas boas, mas que nos fazia passar muita, muita raiva com sua grosseria. E ainda com um salário de 220 mil ao mês, não vejo muito futuro pra você no Morumbi. Pode pegar  as malas e vazar, que já chamamos o seu táxi pras Laranjeiras.

Já você, Dagoberto, é a contratação mais brochante dos últimos 7 anos do São Paulo, desde quando roubamos o Ricardinho do Corinthians.  Puta auê que a diretoria armou pra te trazer, aquele dirigente doido do Atlético-PR não queria te liberar de jeito nenhum, você fez greve e tudo mais, e no fim, desembolsamos 4 milhões pelo teu passe. Tudo pra contratar um atacante que não sabe chutar. Você me faz lembrar o Sandro Hiroshi, aquele japônes que parecia ser destro com dois pés esquerdos e só servia pra puxar marcação. Tá certo que você não é tão ruim assim, mas está longe, bem longe de honrar a camisa número 25 que já foi de… Catê? Tomara que o Fernandinho te deixe no banco de reservas no ano que vem, piá.

E, finalmente, BORGES! O grande responsável pelo título brasileiro de 2008! Sempre fui teu fã, Borges. Acho que você tem uma capacidade de decisão fora do comum, como demonstrada naquele gol em plena La Bombonera, frente o Boca, providencial para o jogo da volta, quando passamos adiante com o placar 1 a 0. Apesar de termos sido eliminados logo em seguida, tenho aqueles dois jogos como inesquecíveis pra mim. Achei pura besteira quando contrataram o Washington pra posição de centroavante, já que pra mim você era o titular absoluto. Só que, infelizmente, você não soube lidar com a concorrência. Se comportou como um adolescente contrariado durante o tempo que esquentou o banco de reservas. Nos jogos que entrava, queria resolver tudo sozinho, mesmo que um companheiro estivesse em melhores condições. Brigou nos treinos, brigou no campo, e agora vai terminando o seu ciclo no tricolor de maneira melancólica. Se antes torcia pela sua manutenção no elenco, hoje, diante dessa sua postura de garoto mimado, não torço mais. Mas ainda assim, lhe sou extremamente grato por todos os momentos bons que passamos juntos. Obrigado.

Por último, quero destinar um pouco dessa missiva ao “professor” Ricardo Gomes. Não tenho muitos comentários para tecer sobre vossa pessoa. Você chegou de surpresa, como uma espécie de incógnita e fez um bom trabalho. Não vi interferência sua que pudesse ter causado esse debacle tricolor das últimas rodadas. A minha única demanda que lhe faço para o próximo ano é a seguinte: se o Richarlyson ficar, não o escale mais. Por favor. Grato.

E que no ano que vem, eliminemos o Corinthians e o Palmeiras na semifinal e final da Libertadores. Com gols do futuro melhor mundo, Oscar.

Geisy e a sociedade do espetáculo

novembro 26, 2009

Às vezes, nessa nossa existência calejada de amarguras, certas escolhas que fazemos, aparentemente insignificantes em meio a tantas outras do dia-a-dia, tem o poder de transformar vidas. Seja a de desconhecidos, de entes queridos  ou a de nós mesmos. É o copo de pinga a mais que viramos na noite, é o telefonema que não atendemos, é o chute na letra b ao invés da sempre aconselhável letra c. Quer nos esforcemos ou não, jamais teremos o controle total de como as coisas transcorrerão à nossa frente – e, obviamente, não estou falando nenhuma novidade.

Apenas quero chamar atenção para o fato de como uma escolha de guarda-roupa jogou uma pessoa qualquer ao seu quarto de hora de fama . O que é completamente ridículo.

Quando Geisy Vila Nova Arruda lançou mão de seu vestido de 50 mangos pra ir à faculdade, na fatídica noite de 22 de outubro, mal sabia que aquela escolha lhe proporcionaria experiências ainda inéditas. Primeiro  viria a execração pública, depois, a TV e capas de jornais. E se ela tivesse escolhido aquele jeans desbotado do dia anterior?

A internautas minimamente antenados, essa história já morreu de velha, é verdade, tanto que nem darei o luxo de entrar em detalhes. Acontece que os frutos rendidos desse episódio, que mais parece uma anedota – ainda mais depois que o reitor louco expulsou a menina pra desexpulsá-la mais tarde -, não param de ser colhidos.

Depois daquela noite de outubro, quando protagonizou em sua faculdade o papel de “Geni”, Geisy circulou no noticiário nacional na figura de “notícia”. Mais tarde, começou a aparecer em programas de TV como “celebridade”.

E é nesse novo status que Geisy ainda se encontra. Só nesse mês, a estudante de turismo rodou uma série de estúdios de televisão. Primeiro, foi ao Superpop, onde ela e Luciana Gimenez provavelmente filosofaram sobre machismo e intolerância na sociedade brasileira. Já surfando na onda da fama, recebeu convites para desfilar em escolas de samba do Rio e de  São Paulo, privilégio que costuma ser reservado apenas a ex-big brothers. Com a bola cada vez mais cheia, gravou uma participação para o combalido porém relutante Casseta & Planeta. E ainda houve tempo para uma conversa com a eterna Silvia Popovic.

Tudo isso em menos de um mês. Fora as participações das quais não tomei conhecimento.

Mas todo esse fenômeno de ascensão meteórica ao estrelato midiático só foi possível por três grandes razões. A primeira, e mais gritante, nada tem a ver com a mídia, aliás, tem sim, e muito, que é o machismo reinante nos valores de homens e mulheres desse Brasil. Quando achamos que a coisa melhorou um tiquinho, lá aparecem uma manada de bestas-feras a gorjear “Puta! Puta!”  a uma indefesa dama de vermelho, mostrando que o buraco continua beeem fundo.

A segunda grande razão advém da era tecnológica em que nos encontramos, capaz de proporcionar tanto os celulares que captaram a cena de linchamento verbal com a menina, quanto a internet e seus blogs e twitters da vida. Tudo começou com um despretencioso post no Boteco Sujo. De lá, a notícia correu a rede, e foi só uma questão de tempo para estar na boca dos apresentadores de telejornais do horário nobre.

Já a terceira grande razão é um pouco mais complexa e teórica. Existe um livro de um caboclo francês capaz de explicá-la melhor, livro que aliás nunca li. “Sociedade do Espetáculo”, de Guy Debord, versa, obviamente, sobre a espetacularização em nossa sociedade (há um artigo no site Observatório da Imprensa que traz algumas das ideias exploradas pelo autor, pra quem estiver interessado). Não vou tentar teorizar sobre essa hipótese, pra não cometer nenhuma confusão conceitual, mas só o título da obra é capaz de jogar luz sobre a questão.

Afinal, como explicar essa voracidade da mídia por celebridades instantâneas, que preenche uma demanda de público, se não pela sociedade do espetáculo em que vivemos? Não é a sede pela espetacularização que fez com que a mídia transformasse a via crucis de Geisy em um evento de grandes proporções, ao repetir a esmo as imagens da cena ocorrida em um faculdade na grande São Paulo? É evidente que trata-se de um episódio de relevante interesse público, e que deve, sim, requerer uma cobertura diferenciada. Mas daí a transformar Geisy Vila Nova Arruda em uma semi-heroína nacional vão-se léguas.

Não estivesse com meu TCC interminável já em um estágio tão avançado, juro que pegaria o tema ” Geisy e a sociedade do espetáculo” para escrever sobre. Não consigo me recordar de algo mais simbólico.

O mau presságio de Marcos

novembro 20, 2009

Confesso que senti pena em ver o que está acontecendo com o Palmeiras.

Pena em ver um dos maiores clubes do Brasil, que liderou a maior parte de um torneio que não conquista há 15 anos, praticamente se esfarelar na reta final.

A equipe fazia boa campanha, as expectativas eram boas. Seu recém eleito presidente foi na contramão da maioria dos outros cartolas e tomou medidas inéditas para os dias de hoje. Contratou o técnico mais vencedor da história dos pontos corridos, segurou seus melhores jogadores frente o forte assédio europeu e ainda trouxe uma estrela do ataque de volta da Rússia. Tudo isso com o time ocupando o topo tabela. O título haveria de vir, não poderia dar errado.

Mas acabou que deu. Vágner Love, mesmo com um ou outro golzinho importante, nunca rendeu o que se esperava. Se seu objetivo ao voltar ao Brasil era o de retornar à seleção, é melhor esperar sentado, pra não cansar. Jogos chaves e outros fáceis como os fora de casa contra o Fluminense, Náutico, Santo André, e os no Parque Antártica contra Flamengo, Avaí e Sport foram perdidos ou não ganhos – resultados impensáveis pra quem almeja ser campeão. Lesões se espalharam no elenco feito praga de reza brava, tirando de uma parte importante do campeonato doisjogadores fundamentais, Cleyton Xavier e Pierre.

E teve ainda o Simon, o pior árbitro do Brasil.

Pra completar, Obina e Maurício protagonizaram na última quarta o desfecho perfeito para o enredo de tragédia grega que está sendo o fim de ano palmeirense. Um golpe de direita seguido por um cruzado de esquerda. O duelo de round único entre os dois terminou com um par de cartões vermelhos, uma equipe com 9 jogadores, mais uma derrota fora de casa, e, o mais significativo, terminou com as chances alviverdes no campeonato brasileiro.

Sobrou pro goleiro Marcos, pentacampeão mundial com a seleção, o papel de relações públicas palestrino em momento de crise. Finda a partida no Olímpico, o número 1 ficou por mais cerca de 15 minutos no campo falando – e desabafando – aos repórteres ávidos por declarações com potenciais de manchetes.

Mas Marcos, como já é de costume, mandou bem. Num ramo em que o entrevistado normalmente é uma máquina de reproduzir clichês, suas respostas expressaram a sobriedade requerida de momentos críticos, sem, contudo, serem evasivas.

Foi uma das entrevistas mais sinceras e tocantes que já vi de um jogador de futebol.

Marcos, obviamente, lamentou as expulsões decorrente da briga entre seus companheiros, que selou a derrocada palmeirense naquela noite. Mas isentou aquele episódio como o responsável pela perda do campeonato – apesar de ter sido sua pá de cal -, acusando a vertiginosa queda de desempenho do time nos últimos jogos como a causa principal.

O que mais me tocou, entretanto, em meio àquele discurso resignado, foi o de constatar o quanto aquele goleiro extremamente boa praça estava triste por saber que não será mais campeão brasileiro, mesmo tendo chegado tão, tão perto. Quando o São Paulo perdeu pro Atlético Mineiro em casa, 5 rodadas atrás, até um grande otimista como eu já dava como certo o título palmeirense no início de dezembro. Bastava o Palmeiras não fazer nenhuma grande cagada.

A sorte mudou, o São Paulo hoje é líder, e Marcos, já no crepúsculo de sua carreira profissional, com 36 anos de idade, sabe que 2009 foi provavelmente uma de suas últimas chances, se não a última, de ganhar o título nacional.  E ouvi-lo dizer isso, exatamente isso, em um tom de tristeza só não mais profundo que o das entrevistas de Cuca, me fez transgredir as barreiras da rivalidade futebolística, que faz com que desejemos o mau agouro para o rival até num torneio dente-de-leite. Aquelas palavras todas me fizeram lamentar profundamente por tudo o que Palmeiras está passando.

Talvez seja essa dualidade da glória dos vencedores e da tragédia dos perdedores que torna os esportes de competição uma coisa tão fascinante, como é o caso do futebol. O grande problema, entretanto, quais outras facetas dessa nossa vida mundana, é quando a grande roda viva futebolística escolhe por punir gente que não merece, como esse personagem tão querido e estimado que é o goleiro do Palmeiras.

Mas, fazer o quê, o futebol é assim mesmo.

Questionando Deus

agosto 27, 2009

A vida nesse mundo é uma linha tênue entre a tragédia e a normalidade. Seja por experiências pessoais ou de terceiros, o fato é que cada vez mais penso nisso. Praqueles mais sensíveis, é preciso se permitir ser feliz em meio a tanta tragédia que nos rodeia e, talvez, nos aguarda. Não dá pra gozar livremente,  a não ser que você coloque uma venda nos olhos e um par de fones nos ouvidos.

Ontem um amigo me contou uma história trágica, porém muito interessante.

Deus existe? Para Ana, empregada doméstica, Ele sempre existiu.  Com toda a certeza. Católica fervorosa, ela nunca deixou de se amparar na fé no Senhor para conseguir tocar sua vida de árduo trabalho na Terra. Nada colocava em cheque a sua crença. Nem a injustiça social reinante no planeta, onde poucos ricos subjugam muitos pobres, entre os quais ela se encontrava. Afinal, a bíblia já diz: é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino dos céus. Olhando por esse lado, sua condição ecônomica era até uma benção.

Ana tinha um filho. Honesto, trabalhador, nunca fez mal a ninguém. Deus haveria de compensar uma existência livre de rebeldia e pecados capitais. Se não haveria prêmios, ao menos não haveria punições. Mas justo com ela tinha de ser diferente.

Não se sabe se fora uma punição. Poderia muito bem ser um prêmio: deixar o mundo jovem, esse mundo com tantas tragédias a nos espreitar nas esquinas. E se ele foi para um lugar melhor? Mas para Ana, o tirou que ceifou a vida de seu filho foi uma punição severa demais. E a fez, como há muito tempo não fazia, refletir profundamente: se Deus existia mesmo, por quê Ele não segurou a mão do chefe de seu falecido filho, evitando aquele disparo, que ainda por cima foi acidental? Por quê, se ele era uma pessoa tão boa e Ele é onipotente?

Deus existe? Agora é Ana quem se pergunta. O movimento ateísta corre o risco de ganhar uma nova adepta, graças a uma tragédia.

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ps1: Não sou ateu. Mas também não acredito nesse “Deus de igreja”. Me considero espírita, creio em preservação da individualidade após a morte (leia-se alma) e reencarnações. Mesmo assim, tenho um monte e severas críticas a alguns posicionamentos no centro espírita que frequento. Para quem quiser conhecer a doutrina, favor ler “O Livro dos Espíritos”, de Alan Kardec. Foi a partir desse livro que tomei contato com o Espiritismo. E vivo me cobrando de que preciso estudá-lo mais (com obras sérias e não esses romancezinhos caça-níqueis).

ps2: Como disse o Idelber Avelar outro dia, seria lindo se um jogador de futebol mostrasse os dizeres “Deus um delírio” na comemoração de um gol. Se o Kaká e o seu “I belong to Jesus” pode, isso também pode. Adoraria ver a reação dos neocons de plantão.

Somos, sim, racistas

agosto 26, 2009

Tem gente que acha que fazer piada de negro não é manifestação racista. Que ser chamado de macaco é mil vezes melhor que ser chamado de girafa porque o QI do primeiro é maior que o segundo. Tem gente que acha  que a camisa “100% negro” tem exatamente a mesma conotação de uma “100% branco”. Que cotas pra negros em universidades públicas é uma medida puramente racista.

Tem gente que acha que não tem racismo no Brasil.

Há cerca de duas semanas, fui a uma manifestação convocada pelo movimento negro de Rio Claro.  O sábado ainda era manhã. No local combinado, a praça central da cidade, estavam meu amigo anarquista mais quatro ou cinco pessoas que apareceram pela convocatória, além da presidente do conselho municipal da comunidade negra e de um jornalista do maior diário local, que se dizia imparcial, citava trechos da bíblia, e torcia para que a polícia descesse o cacete em invasões  do MST, cujos integrantes, de cada 20, 18 eram vagabundos.

A manifestação foi um fiasco e não aconteceu. Fora marcada para protestar contra um ato de racismo que ganhou os jornais e até uma moção de repúdio da câmara de vereadores. A história é mais ou menos aquela: um policial chegou, revistou e humilhou/agrediu o negro. O negro não deixou quieto, seu caso virou manchete, e até marcaram manifestação, que, como já disse, não aconteceu. Em parte, pelo amadorismo na realização de atos de protesto dos idealizadores. Não os culpo.

No Carrefour de Osasco noutro dia, o negro cometeu o crime de ter um Eco Sport. Foi abordado, confinado e espancado. Mas diferentemente de Rio Claro, rolou uma manifestação. Se liguem nas fotos:

onde estao os negros bandeirao

Eu poderia escrever linhas a fio sobre racismo no Brasil. Poderia falar sobre o quanto ganham mulheres negras brasileiras ou qual a chance de um negro ser assassinado no país. Mas desencana. Escrevo mais pra me expressar mesmo. Tem gente que escreve bem melhor do que eu, e  com muito mais propriedade do tema.

Como, por exemplo, o Alex Castro.  Se quiserem se graduar em racismo no Brasil, podem começar por esta coletânea de textos dele.  Recomendo um bastante curioso, que fala sobre todas as capas da Playboy da história em território nacional. Se o brasileiro não é racista e cerca de metade da população é composta por negros e pardos, é mais do que certo que encontremos essa mesma proporção entre as mulheres que frenteiam a revista símbolo do padrão estético popular, ok?

Pra finalizar, reproduzo Tulio Vianna, com o qual concordo em gênero e vírgula:

Se ser moderninho, divertido e criativo é zombar de minorias políticas, eu prefiro ser o babaca sem senso de humor que denuncia estes covardes que se escudam no riso para manifestar seus preconceitos.

A genialidade do humor está em zombar dos que oprimem e mostrar o quão ridículo são seus preconceitos. Riamos da classe média e de seus valores pequenos burgueses, dos homófobos posando de machões, dos machistas tomando inevitáveis foras de mulheres inteligentes e, principalmente, da indignação de muitos brancos em ver um negro na presidência do país mais rico do mundo.

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ps1: um dia, ainda leio esse livro. Pra poder rir (de raiva), é claro.

ps2: título copiado dessa matéria da Carta Capital.

Considerações rasas

agosto 21, 2009
  • Ver a treta Globo x Record, ao mesmo tempo que no congresso Renan Calheiros e Tasso Jereissati se estapeam com palavras, me faz pensar que não é só a esquerda que é chegada numa briguinha entre si: a direita também seus dias. Bem poucos e menos significativos, é verdade.
  • É incrível como o PIG (Partido da Imprensa Golpista) caminha a passos largos para se consolidar como PIG. Que bizarrice é essa história da tal de Lina? Pura especulação barata, de quase nenhuma relevância. Mas que domina dias a fio as capas de jornais e chamadas de telenoticiários. Tudo pra desestabilizar a candidatura da Dilma. Depois que viram que a cobertura do câncer foi um tiro no pé (ela cresceu nas pesquisas) trataram de não tocar mais no assunto. Grande PIG!
  • E o Sarney? Descobriram quem é o coronel maranhense em pleno ano de 2009.  Com no mínimo 40 anos de atraso. Só agora o Sarney é o traficante de influências, o nepotista e mentor de maracutaias, né? E quando ele foi presidente do senado sob a benção do FHC, era um santo? Nem preciso explicar sobre o que penso do referido, mas uma coisa estou certa: se for pra ele sair só pra golpear o Governo Lula, que não saia. Se ele sair, tem que sair todo mundo que deu passagem aérea pra titia, pro sobrinho, pro primo, pra Adriana Galisteu…
  • E o Lulão? Outro dia vi ABC da Greve, do Léon Hirszman.  Deu pra constatar o que todo mundo já falava: o cara já era conciliador desde a década de 70, além também de ser um messias das massas. Clássica a cena que mostrava os trabalhadores se preparando pra mais uma assembléia. Diversos deles declaravam ao câmera que a greve era inevitável diante da última proposta dos patrões. Eis quem minutos mais tarde, Lula assume o microfone, e solta: “Quero dizer que se hoje tirarmos uma greve, será uma derrota para a classe trabalhadora”. Um silêncio sepulcral toma a multidão, que, depois da surpresa daquela inesperada posição de seu líder, vota com Luís Inácio, obviamente.
  • Livros que me prometi leituras: Mulher de um homem só (romance de um blogueiro aí), Raizes do Brasil, Donos do Poder. E agora, por algumas e outras, pilhei em ler Gramsci. É muito livro, pra pouco tempo e muita enrolação.

Impressões da capital da Bahia

julho 23, 2009

Amanhã deixo Salvador depois de 15 dias de estadia na casa de meu pai. Foram dias legais em que pude revisitar alguns lugares e conhecer outros novos. Também cumpri o objetivo pessoal de adquirir mais um instrumento musical, um berimbau – embora ainda não saiba como farei para trazê-lo no avião.

Ao que me pareceu, Salvador é uma boa cidade pra se morar, se você puder desfrutar de uma situação econômica confortável. Penso seriamente em gastar uma partezinha da minha vida aqui, no futuro. Claro que o que mais fomentou esse desejo foi o contato com as aprazíveis praias, repletas de quiosques com cerveja gelada e porções saborosas. E tudo sob uma brisa do mar que é de tocar a alma.

As praias que conheci de perto foram a de Stella Maris e a do Flamengo, que são contíguas, e a Praia do Buraquinho, um pouco mais distante. Mas circulando a orla de ônibus, pude contemplar Itapuã, Barra, Piatuba e muitas outras mais. Todas de beleza estonteantes.

O transito parece (parece!) fluir bem nos horários e nas áreas por onde andei de carro. A cidade também dá sinais de contar com uma vida cultural relativamente rica. Apesar de não ter assistido a nada, pela rádio pude ouvir a vários anúncios de peças e shows. Dos lugares que conheço, sei que há o teatro Castro Alves e o Museu de Arte Moderna (onde deixei de ir a um jazz de sábado por causa de uma chuva importuna). Deve haver dezenas de outros mais, sem contar a própria cultura local que já é muito rica por si mesma.

O Pelourinho é, sem dúvida, o lugar com maior concentração de turistas, já que é lá o centro histórico da cidade, bastante curioso e atrativo. Seu interior é cheio de igrejas antigas, lojinhas de souvenires e restaurantes. Ainda possui uma belíssima visão da costa, com embarcações de médio porte disputando espaço com o reflexo do sol nas águas cristalinas do mar.

Mas, se as praias de Salvador já são de uma beleza ímpar, conforme você deixa a cidade rumo ao norte, a paisagem  se torna paradisíaca demais. É até covardia. Seguindo no único trecho de estrada duplicada da região, que beira a costa, condomínios de alto padrão começam a dar as caras. Isso do lado direito, o lado do mar. Do lado esquerdo, estão as casas mais humildes, que abrigam a população de baixa renda.

Fui até a Praia do Forte, que fica numa vilazinha turística, pertencente ao município de Mata de São João. Lá também é sede de uma unidade do Projeto Tamar, aquele das tartarugas. Foi um dos lugares mais bonitos em que estive em minha vida. Já decidi que quando me aposentar (se ainda houver aposentadoria), vou comprar uma casa e morar por ali. Só vendo para saber do que falo.

Voltando à Salvador, talvez a característica mais marcante da paisagem urbana, sob uma observação isenta, não é nem de longe as praias. Pra quem olha do lado oposto ao mar, vai perceber que a cidade quase que por completo é cercada por favelas, situadas no alto dos morros. Aqui elas são chamadas de “invasões”. Como já disse em um post anterior, de uma cidade que ostenta um índice de desemprego na casa de 20% não se poderia esperar outra coisa.

"Invasões" soteropolitanas

"Invasões" soteropolitanas

É, tchau Salvador. Agora é voltar à Rio Claro, para, quem sabe, empreitar uma nova viagem em pouco tempo.

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ps1: Leitores de primeira viagem no blog que queiram ver mais fotos minhas de Salvador, podem visitar meu novo Flickr.

Imagens de Salvador III

julho 23, 2009

elevador
cesta de frutas
cruzes

Para ver mais fotos, clique aqui.

As viagens de Robinson Crusoé e Shackleton

julho 22, 2009

Li outro dia em algum canto da Internet uma afirmação sobre os grandes pioneiros da história. Dizia que boa parte não chega a experimentar a glória do reconhecimento, muito pelo contrário. O destino que costumam encontrar é a morte, seja por febre amarela, malária, flechada, naufrágio e similares. É verdade.

Grandes pioneiros da história rabiscaram os primeiros mapas da América. Morreram de overdose na busca do prazer, foram queimados na fogueira por causa de novas ideias. Sem eles, jamais teríamos acesso a tantas das coisas as quais temos como corriqueiras nos dias de hoje. Para o bem ou para mal, uma fração considerável do progresso e das conquistas da humanidade se deve a iniciativas de alguns loucos e inconseqüentes, porém corajosos indivíduos. Poucos ganham estátuas em homenagem; a maioria é presenteada com o anonimato.

Devorei esta semana dois livros que abordam a trajetória de dois clássicos pioneiros: um deles, ficcional, embora dizem que baseado em uma história verídica; o outro, personagem de uma das aventuras mais épicas já registradas.

O que leva um ser, com plena consciência de autopreservação, a se jogar na vida de marinheiro com uma embarcação do século XVII, em mares não tão bem conhecidos e repletos de piratas, quando poderia, ao contrário, usufruir uma existência segura e confortável em terra firme? Pior, o que leva uma pessoa a se aventurar em uma expedição por mares gelados, traiçoeiros, sem estar equipado sequer de um rádio transmissor, onde vários outros expedicionários já haviam tombado diante do frio e da inanição, com o objetivo de cruzar um lugar totalmente inóspito como a Antártida, apenas pela suposta glória de ter sido o primeiro a fazê-lo?

Crusoé e seu amigo índio Sexta-Feira

Crusoé e seu amigo índio Sexta-Feira

A primeira situação diz respeito ao lendário Robinson Crusoé, personagem do livro de Daniel Defoe, escrito em 1719. Ainda jovem, Crusoé deixa sua casa, a contragosto do pai, que lhe prometera uma vida promissora e cheia de regalias, para lançar-se na aventureira vida de homem do mar. Por duas vezes, depara-se de perto com a tragédia: a primeira, quando se torna náufrago de sua debutante viagem, para ser resgatado mais tarde por mercadores ingleses. A segunda, quando é capturado por piratas, o que faz com que posteriormente seja feito escravo na costa da África, para então empreitar uma fuga em um pequeno barco via alto mar.

Há então um momento de relativa tranqüilidade na vida de Crusoé, quando vive como um próspero plantador de cana-de-açúcar no Brasil. Mas como desgraça pouca é bobagem, o escocês é ainda vitimado por um novo naufrágio. Desse, acaba em uma ilha em algum lugar próximo do Caribe, onde passará 28 anos de sua existência.

Shackleton – Uma lição de coragem conta a história de uma expedição para desbravar a Antártida, passada em 1916, liderada pelo irlandês Ernest Shackleton. O navio em que navega, batizado de Endurance, é aprisionado por blocos de gelo, forçando seus 28 integrantes a abandoná-lo. Tem-se início, então, uma verdadeira epopéia, que dura quase 2 anos, protagonizada em meio às águas tempestuosas e geladas do circulo polar sul.

Naufrágos na Ilha Elephant, no momento do resgate

Naufrágos na Ilha Elephant, no momento do resgate

Da deriva em um banco de gelo para a angústia das nevascas em alto mar a bordo de 3 pequenos barcos. Do sofrido desembarque na deserta Ilha Elephant para a viagem final rumo às Ilhas Geórgia do Sul, quando Shackleton sai com apenas 5 homens em busca de ajuda, munido de uma bússola, um sextante e o sol como instrumentos de localização. No final, todos se safam vivos.

Tanto Robinson Crusoé como Shackleton são daqueles livros que você devora página a pagina. Tão cativantes que me fizeram entrar madrugada adentro, mesmo carregado de sono, pois não aguentava de ansiedade para saber o desfecho. O relato das privações pelas quais passam os personagens, tais como a fome e o frio, fazem mexer com os brios dos leitores mais imaginativos (categoria na qual me encontro).  É como se estivesse vivenciando suas angústias e esperanças.

Uma das coisas que mais me intrigou nisso tudo foi o espírito aventureiro pulsante nos dois personagens. Um espírito que tem suas bases na ambição desenfreada, no comportamento inconsequente, na curiosidade e na miséria pessoal. Indubitavelmente, é ele a grande força motriz que faz de uma pessoa ordinária um pioneiro em potencial.

E nada melhor que o Oceano pra saciar a sede desses espíritos aventureiros. Um terreno capcioso, fértil de armadilhas, e, sem dúvida, para poucos.